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A crise reflecte-se por todo o lado. Este ano até os anúncios natalícios demoraram a chegar, batendo finalmente certo com a quadra ao invés de sermos obrigados a assistir a pais natais na telinha quando ainda estamos com os calções molhados da praia.
E pergunto-me: como será quando acontecer a enxurrada de SMS e mails em cadeia, de empresas a meros conhecidos, dos amigos do peito aos amigos virtuais, desejando boas entradas?
Vítor Gaspar ainda não o anunciou em conferência de imprensa, mas encontro-me convencido de que, nesta passagem de ano, assistiremos a uma morte. Esticará o pernil sem apelo nem agravo alguém que está connosco desde há muito: o adjectivo ‘Próspero’. Honestamente, só o consigo imaginar inserido nos amigáveis votos alheios ou por manifesta distracção ou requintado sadismo. ‘Próspero Ano Novo’?! Como? Mais vale um realista ‘assim-assim’, um ‘2012 dentro do possível’ ou quando muito um singelo ‘olhe, que não venha a pior’. Sim, pela primeira vez na vida, e embora tentem escondê-lo, os foliões estarão tristonhos por deixar partir – apesar de tudo – o Ano Velho.
II – Benfica/Sporting é p’ra meninos
As gentes do Norte não recebem de braços abertos, abraçam-nos mesmo é com o coração.
No espaço de poucos meses tive a segunda oportunidade profissional a convite do concelho de Paços de Ferreira, um dos mais jovens do país e onde a dinâmica cultural pede meças à sua mais conhecida frente comercial (Capital do Móvel). Desta vez estreei-me em Freamunde, sob o pretexto de leccionar um workshop intensivo de Escrita Criativa – 10 horas – com o propósito final de produzir textos que este vosso escriba leria no Jantar do Capão à Freamunde, uma tradição com 20 anos. A do repasto, claro, pois a da iguaria certificada remonta aos romanos, tendo surgido quando um poderoso Caio Cânio com sono de diva ordenou que aniquilassem todos os galos de modo a que o seu cacarejar jamais incomodasse o tempo de qualidade passado com Morfeu. Ora sucede que as pessoas apreciavam os seus galináceos e vieram a optar por uma solução bem menos genocida, caparam-nos. Meses depois, descobrem que os robustos, muito maiores e bem alimentados neo-galos, não cantantes, naturalmente não reprodutores e por isso agora capões, davam um bigode de suculência ao mero frango. Vitória, vitória, acabou-se a história – ou será que não?
Para meu espanto vim a descobrir que a rivalidade Paços/Freamunde faz a eterna disputa Benfica/Sporting parecer um entretém de meninos na creche. Paços é sede de concelho, Freamunde tem mais gente. Paços é o império do mobiliário, Freamunde orgulha-se do capão. Há quem se recuse terminantemente e uma vida inteira a pôr os pés em Paços e, se porventura tem de lá passar numa viagem de autocarro, tapa os olhos com as mãos. Nelson, senhor de idade e personagem carismática, confrade do capão, conta-me a seguinte anedota: dois operários da construção civil trabalhavam longe da sua terra quando, numa pausa, perguntou o Jacinto ao Almeida: - Olha lá, para ti quais são as três cidades mais importantes da Europa? Responde o segundo: - Hmm, talvez Londres, Paris… e Freamunde. Pausa de Jacinto antes de retorquir: - Sim, concordo… mas não por essa ordem!
Quando Paços e Freamunde se defrontam no futebol, garantem-me, o derby Braga-Guimarães ruboriza-se. E meia dúzia de pessoas, divididas em quotas iguais por pacenses e freamundenses, contam-me este episódio com as mesmíssimas palavras: um indivíduo de Freamunde foi concorrente no Preço Certo – quando Fernando Mendes lhe perguntou onde fica, respondeu: - Olhe, Freamunde é entre Lousada e Penafiel…
Uma espécie de versão Vale do Sousa do shakespeariano Romeu & Julieta, contemporâneas famílias desavindas mas com o bairrismo temperado por uma bombástica dose de humor. Ao verem o escriba e a namorada de anéis iguais, logo me avisam: - Meu amigo, aqui, quando após dois ou três anos de casamento ainda não há filhos… metem-lhe logo um capão à porta. E de novo o inefável confrade Nelson dispara: - Desde o D. João V que não há um maricas em Freamunde! – e troveja numa gargalhada.
Acresceu sobremaneira ao encanto deste fim-de-semana intenso o facto de termos ficado instalados numa quinta com 145 anos, a da Vista Alegre, na mesma família desde sempre e hoje gerida por EdiLaGreca – uma italiana incansável e gentil que, dir-se-ia, mais do que nos fazer sentir em casa, faz de nós proprietários da mesma. É neste hotel rural que se revela o segredo para o sucesso do IKEA – no concelho há uma fábrica da multinacional responsável por empregar cerca de 2.000 pessoas, e estão bem habituados a hóspedes suecos de meia-idade, barulhentos e bebedolas. Alguém diz que o seu método/imagem de marca só pode ter nascido assim – bebem e não aguentam, por isso concluíram: Oh pá, façam vocês mesmos e montem esta treta em casa!
Desconfio que o mau vinho dos senhores suecos se deve a ainda não terem provado o Capão, incompatível com zurrapas. E deixo o leitor com a ideia para uma campanha publicitária fictícia, tida por alguns alunos do workshop: um avião sobrevoa o concelho despejando milhares de pequenos testículos de esferovite. Ao apanhá-los do chão, uma pequena vinheta destaca-se – e o transeunte lê: ‘Eles perderam-nos por uma boa causa. Jantar de Gala do Capão à Freamunde. Agora veja lá se não falta’.
lfb_77@hotmail.com
Quem quiser pode comentar... mas que está bom está...
ResponderEliminarMuito bom texto. Gostei.
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